quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"A inteligência é como um músculo que tem de ser treinado"
Sara R. Oliveira | 2011-10-12
Lynne Reder, professora de Psicologia da Universidade de Carnegie Mellon, aconselha a evitar distrações na sala de aula e a não ensinar muito ao mesmo tempo. Recomendações feitas no debate "Em causa: Aprender a aprender", promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, na Universidade de Aveiro.
O ciclo de conferências sobre as questões-chave da educação, organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, arrancou com uma expressão que se tornou um grande chavão no seio da comunidade educativa. "Em causa: Aprender a aprender" juntou esta terça-feira à tarde vários especialistas da matéria. Carlos Fiolhais, professor e responsável pelo programa de educação da Fundação, moderou o debate que abordou vários conceitos e fez pensar. O encontro teve lugar no auditório da reitoria da Universidade de Aveiro e a sala estava praticamente cheia.

"A inteligência é como um músculo que se não for utilizado fica mais fraco." Lynne Reder, professora de Psicologia da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, centrou o seu discurso nas ideias recorrentes sobre as práticas educacionais para, no final, recomendar que o melhor caminho é espaçar as práticas de aprendizagem e utilizá-las em diferentes contextos, evitar distrações nas salas de aula e não ensinar muito ao mesmo tempo para não sobrecarregar os alunos. "A inteligência é maleável", reforçou. E, por isso, precisa de ser estimulada.

"Todos precisam de praticar", avisou. Porque é importante praticar as competências uma vez, outra vez e vezes sem conta. E evitar o que pode distrair a cabeça. Segundo a professora norte-americana, há estudos que demonstram que excessivas decorações nas paredes das salas de aula podem distrair os alunos. Há investigações que concluem que os "alunos aprendem mais quando as paredes estavam vazias, não se distraem tanto".

Há outros detalhes que convém ter em conta. Para facilitar a memória, os textos podem ter os principais pontos sublinhados e sumários a negrito para evidenciar o que é importante aprender. "O grande desafio é ensinar os estudantes a perceber quando devem aplicar as novas competências", sublinhou. Para isso, a aprendizagem passiva não pode ser usada para que os alunos se envolvam e aprendam. "Todos os alunos podem predizer os resultados de uma experiência", exemplificou. Em todo processo, a familiaridade dos termos é também importante.

Paula Carneiro, investigadora auxiliar na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, falou dos testes. Simples instrumentos de avaliação ou mais do que isso? Mais do que isso.
"Testar a memória não serve apenas para avaliar o que se aprende - modifica o que se aprendeu", referiu. Recorrendo a vários estudos, a doutorada em Psicologia Experimental lembrou que é importante testar mesmo o que já foi aprendido para que a informação permaneça durante muito mais tempo.

"Os estudantes parecem desconhecer totalmente a ideia de que testar os conhecimentos estudados é uma boa estratégia para aumentar a aprendizagem", afirmou. E o feedback é fundamental para se perceber o que foi ou não apreendido pelos alunos, ajuda a identificar as lacunas do conhecimento e estimula a capacidade de organização de quem anda a aprender.
Paula Carneiro deixou duas recomendações. Uma para os professores: para que usem os testes tendo também em conta que os exames podem funcionar como uma recuperação ativa dos conhecimentos. E outra para os alunos: para que façam autotestes dos seus conhecimentos mesmo para matérias que pensam estar permanentemente adquiridas.

Pedro Albuquerque, professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho e que, neste momento, dirige o Grupo de Investigação em Memória Humana da mesma faculdade, concentrou-se na memória de trabalho e como ela trabalha. Essa memória, que permite a leitura e compreensão de textos, possibilita a realização de cálculos mentais, organiza representações espaciais e temporais, ajusta e congrega informação de diversos tipos de conceito.

"A memória é provavelmente o único processo cognitivo que pode ser treinado", sustentou. O tal músculo de que tinha falado Lynne Reder. Pedro Albuquerque lembrou ainda um estudo feito em Inglaterra a 500 crianças de quatro anos quanto à sua capacidade de memória de trabalho. Trinta meses depois, as mesmas crianças, já no 2.º ano do 1.º ciclo, foram novamente testadas e chegou-se à conclusão de que as que tinham uma alta memória de trabalho aos quatros anos mantinham esse nível aos sete. O mesmo se verificou com as que tinham uma baixa e média memória de trabalho.

As questões-chave da educação estão no centro das atenções da Fundação Francisco Manuel dos Santos num ciclo de conferências que termina a 6 de dezembro. Esta quarta-feira, o primeiro debate volta a reunir os mesmos especialistas na Torre do Tombo, em Lisboa, a partir das 17h30, para voltar a abordar o "aprender a aprender". "O valor do ensino experimental" é analisado por David Klahr, professor de Desenvolvimento Cognitivo e de Ciências da Educação da Universidade de Carnegie Mellon, e por Margarida Afonso, professora na Escola de Educação do Instituto Politécnico de Castelo Branco, a 10 de novembro na Universidade do Minho, a partir das 16h30, e no dia seguinte no auditório da Torre do Tombo, em Lisboa, às 17h30. Laurinda Leite, da Universidade do Minho, modera o primeiro encontro e Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, o segundo.

"Aprender uma segunda língua" é o tema que fecha os debates sobre as questões-chave da educação com as participações de Cármen Muñoz, professora de Linguística Inglesa e Linguística Aplicada na Universidade de Barcelona, Luísa Araújo, doutorada em Ciências da Educação pela Universidade de Delaware, e Carlos Ceia da Universidade Nova de Lisboa. A primeira sessão realiza-se a 5 de dezembro no grande auditório da Universidade do Algarve, às 14h30, e a segunda a 6 de dezembro, no auditório da Torre do Tombo, em Lisboa, às 17h30. Manuel Célio Conceição modera os dois encontros.